Imagem: Johnny Gloom
A
aliança dele reluz, em cima da mesa da cozinha, vazia e solitária. A minha permanece no dedo anelar direito. Encaro, alternando o olhar, aqueles dois
círculos dourados. Penso em nós dois. Eu e ele. Ele e eu. O coração dói. A alma
despedaça. O corpo deseja morrer. É sempre assim quando me lembro dele – o meu
ser chora um mar de dor. De piedade. De angústia. De saudade. O choro de uma
busca desesperada e de uma falta lastimável.
Ele
se foi. Há quatro anos. Entrou dentro daquele carro e nunca mais voltou. Desde
então, os crepúsculos não são mais lindos, mas os observo. Ganhei um gato
chamado Sol (ele é Canceriano), dono do meu carinho. Fiz análise. Ioga à
beira-mar. Enfim, busquei permanecer viva, mas, ás vezes, a falta que sinto dele
me rouba o ar.
Ontem
à tarde eu enlouqueci – como se estivesse perfeitamente segura de que ele
estava pela casa. Como dizer então? Aos meus amigos que eu o senti ali, ao meu
lado na cama, como nos velhos tempos. Seja como for, depois de algum tempo, meus
amigos me disseram que já estava na hora de eu conhecer novas pessoas e me
levaram para um barzinho no fim da rua da desilusão. Esses lugares sempre me
causam um pavor, pois são como um hospício a céu aberto. A verdade é que eu não
sentia ninguém em volta. Acontece que quando se conhecer o amor verdadeiro tudo
o que é oferecido depois disso é o nada do nada. Queria dizer isso aos meus
amigos, mas eles sentiriam ainda mais pena de mim. Pena da coitada que perdeu o
noivo, em um terrível acidente de carro, na semana do casamento. Uma fatalidade
– dirão os desconhecidos. A morte – direi eu.
Ali,
naquele bar, quis conversar com alguém. Falar sobre os planos do casamento: o
pequeno apartamento que compramos no bairro dos girassóis. Ah, a flor do sol...
Sonhávamos em casar em meio a um campo delas. Sonhávamos em ter filhos, no mínimo
três ou quatro. Fantasiávamos tantas coisas belas, infinitas como o nosso amor.
Deus,
Deus me dê uma razão para continuar vivendo...
O
gosto do adeus é amargo.
Volto
para casa cansada. Aproximo-me do espelho, procurei. Encontrei um rosto
desconhecido. O mundo fora de mim, todos os dias, todas as horas. Para sempre.
O vento intruso bagunçou meus cabelos. Chamava-me. Quando percebi já estava no
parapeito do apartamento. Os dedos dos pés tocavam um chão gélido. As mãos
abriam-se ao vazio. Lágrimas? Sem. Estou chegando, meu amor - eu disse. E voei.
Não
dei importância ao chão, pois ele não me causou dor. A realidade sempre foi
mais cruel. No mesmo momento em que o meu corpo tocou o solo, acordei.
Ofegante. Suada. Viva!
Mais um dia de luta, pensei. Então vieram os raios de sol, enquanto eu afagava o meu Sol. Segui para a janela com o gato em meus braços. Com muito cuidado apoiei-me no parapeito. Então vieram as pétalas... uma por uma foram abrindo-se. O milagre da vida estava acontecendo, agora! Ali, diante dos meus olhos. Um girassol. Duas vidas. As duas alianças em meus dedos. Ele afundado na cama. Quase como o jeito antigo. Meu estômago abriga borboletas. Ele sorriu. Depois estendeu a mão direita. Segurei a sua mão e soube que a partir daquele momento, com muito cuidado, semearia mais um botão de flor.
Tocante! Muito profundo! E essa música... Se encaixa perfeitamente!
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